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17 jun Concessões

Atraso de Pagamento e Extinção dos Contratos na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos: uma sutil alteração que pode gerar grandes repercussões

*Por Clara Sol da Costa

No último dia 1º de abril de 2021, o Presidente da República sancionou, com 26 vetos, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, que recebeu o número 14.133/2021, e, desde então, vem sendo lida, relida e digerida pelos aplicadores do Direito, empresas e gestores públicos.

Há, ali, uma unificação de conceitos e dispositivos das velhas conhecidas Leis 8.666/1993, 12.462/2011 (Lei do RDC) e 10.520/2002 (Lei do Pregão), consolidação dos entendimentos e súmulas sedimentadas pelo Tribunal de Contas da União ao longo dos anos e também a incorporação de institutos próprios das concessões e PPP, que trouxeram ares de inovação e modernização para as licitações e contratações públicas. Todas essas modificações, se bem aplicadas, tendem a entregar maior segurança jurídica a todos os envolvidos, privilegiar o exercício da engenharia de valor e conferir liberdade às empresas na busca por soluções inovadoras, mais eficientes e econômicas ao Poder Público, com possibilidade de aproveitamento dessa economia pelo particular.

Em meio a essa mescla de dispositivos, uma sutil, mas importante alteração, exige atenção. Os contornos das hipóteses de atrasos de pagamento, que nunca foram bem delineados na Lei n. 8.666/1993, ficaram ainda mais obscuros com a nova Lei.

O art. 40, inciso XV, “a” da Lei n. 8.666/93 determina que deve constar dos Editais, obrigatoriamente, “condições de pagamento, prevendo: a) prazo de pagamento não superior a trinta dias, contado a partir da data final do período de adimplemento de cada parcela”.

O art. 78 da mesma Lei traz, muito claramente, no inciso XIV, as hipóteses de rescisão dos Contratos e, dentre elas, o “atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento (…)”.

Conjugando os referidos dispositivos legais, é bastante lógico e natural – a despeito de todo o esforço da Administração para que prevalecesse tese diversa – computar os 90 (noventa) dias de atraso a partir do termo final para pagamento pelo Poder Público Contratante que, por sua vez, era expressamente vinculado à “data final do período de adimplemento de cada parcela”. E, de fato, esse entendimento vinha prevalecendo no Judiciário até então. Afinal, o período de adimplemento, em regra, é considerado como a efetiva entrega do bem à administração pública, ou de parcela deste, independente dos expedientes para atestação, liquidação e faturamento dos valores a ele correspondentes.

Não obstante, a nova Lei implementou uma sutil, mas extremamente relevante alteração nos dispositivos equivalentes.

No art. 92, incisos V e VI da Lei n. 14.133/2021 se previu a obrigatoriedade de, nos Contratos Administrativos, constar cláusulas que estabeleçam “o preço e as condições de pagamento, os critérios, a data-base e a periodicidade do reajustamento de preços e os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento”, bem como “os critérios e a periodicidade da medição, quando for o caso, e o prazo para liquidação e para pagamento”.

Por sua vez, o art. 137, §2º, inciso IV da nova Lei, elenca como uma das hipóteses de extinção do Contrato pelo particular, o “atraso superior a 2 (dois) meses, contado da emissão da nota fiscal, dos pagamentos ou de parcelas de pagamentos devidos pela Administração por despesas de obras, serviços ou fornecimentos”.

Perceba que houve a preocupação de demarcar critérios de atualização monetária a partir da data de “adimplemento das obrigações”, deixando claro ser este o termo a quo para caracterização da mora da Administração em relação aos pagamentos mas, ainda assim, há dúvidas de como esses dispositivos serão interpretados e aplicados na prática.

Afinal, o legislador entregou à Administração o poder de definir, nos contratos, os prazos de medição e pagamento.

Por outro lado, indicou expressamente a emissão da nota fiscal como marco de início da contagem do prazo de 2 (dois) meses para fins de extinção do Contrato.

A alteração pode modificar toda a lógica garantida atualmente ao particular, inclusive pela jurisprudência consolidada, além de gerar legítimas preocupações, porque sabemos que os particulares contratados muitas vezes estão submetidos aos atrasos da Administração para a emissão dos documentos (medições) que viabilizam a emissão das faturas.

O fato é que a conjugação dos dispositivos, assim como era feita na Lei n. 8.666/93 para construir o raciocínio de que a contagem do prazo para fins de atraso de pagamento e rescisão do Contrato pelo particular se dava a partir da data final de adimplemento da parcela, pode tornar-se mais complexa, na medida em que, da forma como se apresenta na Lei n. 14.133/2021, poderá ser invocada pela Administração com mais força para defender como termo a quo de ambas as situações a emissão da nota fiscal correspondente (ou de outro documento de atestação por ela emitido).

Sem dúvida alguma, essa sutil alteração dos dispositivos pode gerar grandes repercussões no Contratos Administrativos.

Será fundamental, portanto, uma atenção especial às cláusulas do Edital para eventuais esclarecimentos e impugnações, bem como uma gestão eficiente do contrato para evitar demoras injustificadas no pagamento dos valores devidos por serviços pagos.

Remodal