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20 mai Anticorrupção e Compliance

MPF esclarece aspectos sobre a adesão a acordos de leniência

*Por Nayron Sousa Russo e Pedro Henrique Rezende

A 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (5ª CCR), por sua Comissão de Assessoramento Permanente em Leniência e Colaboração Premiada, divulgou a Nota Técnica n. 1/2020, na qual esclareceu importantes aspectos jurídicos sobre termos de adesão e subscrição de pessoas físicas aos acordos de leniência firmados no âmbito do microssistema jurídico brasileiro de combate à corrupção.

O acordo de leniência, na forma do art. 16 da Lei n. 12.846/2013 (também conhecida como “Lei Anticorrupção”), consiste em instrumento firmado com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática de atos lesivos contra a Administração Pública e que se disponham a colaborar com as investigações, obedecidas as condições legais.

Como a Lei n. 12.846/2013 se trata de norma referente à responsabilização objetiva de pessoas jurídicas, o acordo de leniência nela previsto se trata de mecanismo destinado às empresas infratoras.

Ocorre que os atos lesivos pelos quais responde a pessoa jurídica são, em última análise, praticados por pessoas físicas a ela relacionadas, a exemplo de administradores, funcionários ou terceiros que de outro modo a representem. Além disso, em seu art. 3º, a Lei Anticorrupção estabeleceu que sua aplicação não exclui a responsabilidade individual dos dirigentes ou administradores da pessoa jurídica, bem como de qualquer pessoa natural autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.

Assim, além dos acordos de colaboração premiada firmados sob a Lei n. 12.850/2013 (Lei de Organizações Criminosas), a prática dos acordos de leniência levou à necessidade de estabelecer mecanismos para assegurar às pessoas físicas relacionadas aos atos lesivos proteção também no âmbito cível e administrativo.

Conforme registrado na Nota Técnica n. 1/2020, “em síntese, a criação da possibilidade de subscrição ou adesão de pessoas físicas ao Acordo de Leniência surgiu da necessidade prática de harmonizar a atuação civil (e criminal) do MPF no combate a práticas de corrupção, que já se mostra consolidada e indispensável ao atendimento do interesse público”.

A Nota Técnica também registra que a “adesão de pessoas físicas ao Acordo de Leniência é instrumento indispensável para um Programa de Leniência consistente e eficaz”. De fato, a possibilidade de adesão ao acordo de leniência se relaciona à própria segurança jurídica na celebração e execução do acordo, conferindo aos colaboradores previsibilidade quanto à obtenção de uma situação jurídica mais favorável do que aquela que obteriam caso decidissem não colaborar com as investigações:

Afigura-se imprescindível à eficiência do Programa de Leniência que os colaboradores (sejam pessoas jurídicas e físicas) possuam a garantia de obter uma situação jurídica mais favorável do que aquela em que estejam colocados os agentes não colaboradores. No entanto, essa desigualdade jurídica deve ser configurada entre aqueles que optaram pela colaboração e aqueles que não o fizeram. Entre os colaboradores deve haver tratamento isonômico e proporcional, na concessão de benefícios, tendo em vista as circunstâncias de cada colaborador, elementos de corroboração apresentados, fatos ilícitos descortinados, e utilidade para as investigações, visando a efetividade da persecução ministerial, seja no domínio punitivo civil ou no domínio criminal.

O termo de adesão ao acordo de leniência consiste, assim, em pacto acessório ao acordo principal (denominado “acordo quadro” pela Nota Técnica n. 1/2020), por meio do qual são estendidos ao aderente direitos e obrigações expressamente previstos no acordo firmado com a pessoa jurídica.

A adesão ao acordo de leniência também tem papel relevante no âmbito de ações de improbidade administrativa, tendo em vista que a recente Lei n. 13.964/2019 (também denominada “Pacote Anticrime”) deu nova redação ao art. 17, §1º da Lei n. 8.429/1992 para permitir, no âmbito das ações de improbidade administrativa, a celebração de acordos de não persecução cível.

Em dezembro de 2019, o TRF4, em decisão paradigmática, reconheceu a eficácia jurídica da adesão de ex-dirigentes a acordo de leniência firmado pela pessoa jurídica e extinguiu ação de improbidade administrativa, tendo o Aroeira Salles atuado no caso na defesa dos direitos dos colaboradores:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E/OU MEDIDA CAUTELAR DE ARRESTO. OPERAÇÃO LAVA JATO. ACORDO DE LENIÊNCIA. EXTINÇÃO DO FEITO EM RELAÇÃO ÀS EMPRESAS QUE FIRMARAM O ACORDO E ÀS PESSOAS QUE FIRMARAM A AVENÇA NA CONDIÇÃO DE INTERVENIENTES-ANUENTES.
[…]
5. Embora a responsabilização da empresa leniente não se confunda com a responsabilidade da pessoa física de seus integrantes, na medida em que os efeitos do referido acordo só alcançam, em princípio, as pessoas jurídicas que se comprometeram para os fins e termos pactuados, no caso dos autos, face à previsão expressa no Acordo e a adesão dos seus integrantes/colaboradores, imperioso se faz o reconhecimento da extensão dos seus efeitos aos ora agravados. 6. Se, por um lado, temos a prevalência da supremacia do interesse público (que busca, além do ressarcimento ao Erário e a reparação dos danos causados ao patrimônio público, a punição dos envolvidos) sobre os interesses particulares, tem-se, por outro, a necessidade de prestígio ao acordo de leniência já firmado, que, ao oferecer um lenitivo nas penas administravas para as empresas colaboradoras, tem em troca informações relevantes ao interesse público. 7. Agravo improvido. (TRF4, AG 5034574-48.2019.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 04/12/2019)

A Nota Técnica n. 1/2020 dispõe ainda sobre a adesão de outros membros do MPF ao acordo de leniência, além daqueles que lhe são signatários, o que é essencial para conferir maior segurança jurídica ao cumprimento do acordo e compatibilizá-lo com a unicidade do Ministério Público e a independência funcional dos seus membros.

A recente Nota Técnica visa aperfeiçoar a atividade institucional de Membros do MPF sob a coordenação da 5ª CCR e “deverá ser considerada para situações que irrompam após a sua devida aprovação e publicação, preservando-se a validade e eficácia de todos os atos anteriores, na esteira do que determina o artigo 30 da LINDB”.

A robusta fundamentação adotada na Nota Técnica n. 1/2020 certamente contribuirá para trazer mais clareza e segurança jurídica na celebração dos acordos de leniência e em suas discussões perante o Poder Judiciário e órgãos de controle.

Remodal